No Pará, quem dita o consumo musical do povão é esse velho brega

Daniela Arrais
Jornal do Commercio - Recife (PE) - Caderno C - 13/novembro/2005

O tecnobrega é o ritmo do Pará. Assim como no Rio de Janeiro o funk domina a programação das rádios e, no Recife, o brega cumpre esse papel. Na capital, Belém, quem dita o consumo musical do povão é esse velho brega, com batida acelerada, feita com sons de computadores. São mais de 500 grupos, que movimentam uma indústria paralela à das grandes gravadoras, inserindo artistas, músicos, técnicos e inúmeros outros profissionais no mercado de trabalho. Sem contar com grandes estratégias de publicidade ou de divulgação na mídia, o tecnobrega conquista aos poucos sua fatia.

O rádio, com seu forte apelo popular, funciona como um dos principais canais de comunicação do tecnobrega. Vários programas deixam a população do Pará em sintonia com o que é ouvido nas ruas e casas de shows. “A internet também é um ótimo meio de divulgação. Sites e comunidades no Orkut (site de relacionamentos) impulsionam o movimento”, garante José Roberto da Costa Ferreira, webmaster do site Brega Pop (www.bregapop.com), auto-intitulado o site da música paraense. Com índice de bandas e cantores, página de serviços, textos sobre história e desenvolvimento do brega, além de músicas, fotos e vídeos de apresentações, o endereço é uma verdadeira compilação de tudo o que é feito em Belém.

 

 

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Um dos seus principais expoentes do ritmo é a Tecno Show, banda que teve uma projeção nacional por meio do projeto Brasil Total, da atriz e produtora Regina Casé e do antropólogo Hermano Vianna. Nas duas últimas semanas, a Tecno Show esteve no Recife com o objetivo de divulgar o DVD Tecnoshow e ponto final, gravado em março deste ano na casa de show A Pororoca. Com acesso a novas formas de comunicação (internet, festas de aparelhagem) e mídia (CDs piratas), a Tecno Show e demais bandas do tecnobrega conseguem agregar adeptos em níveis local e regional, e já são sinônimo de identidade musical no Pará.

A força que a elite não conseguiu controlar

Bandas de tecnobrega não têm recursos para pagar o jabá das rádios e terminam contando com os camelôs, que prensam o disco, fazem a capa e distribuem o produto. Elas acabam estourando e ganhando dinheiro

Surgida em 2002, a Tecno Show tem à frente a cantora, compositora, estilista e produtora Gabi Amarantos. A banda ainda é pouco conhecida em Pernambuco, mas vem trilhando um caminho de sucesso e já participou dos programas Brasil Legal, Faustão e Altas Horas, exibidos na Rede Globo. Até na trilha de Rifa-me, novo filme de Karin Aïnouz (diretor de Madame Satã), a banda fez uma participação, segundo Gabi. É a prova de que o ritmo do Pará vem ganhando cada vez mais projeção no cenário musical nacional.

A música feita com batidas eletrônicas é a modernização do brega calypso (uma versão regionalizada do som do Caribe). Usando computadores, sintetizadores e bateria eletrônica, as composições tanto exaltam a terra quanto falam de amor. “O tecnobrega é o tecnocalypso. É um ritmo moderno, totalmente eletrônico. A gente não usa bateria ou qualquer instrumento acústico”, explica Gabi Amarantos. Ela acrescenta que no Recife ainda não se faz tecnobrega, apenas um brega com batida mais acelerada, feita com instrumentos acústicos. No entanto, o intercâmbio do Norte com o Nordeste se dá a partir do momento em que bandas recifenses como Lolyta, Ritmo Quente e Lobalypso gravam composições da Tecno Show.

O interesse pela música eletrônica no tecnobrega vem dos anos 80, como explica o cantor, compositor e radialista Silvinho Santos. “Comecei como DJ, tocando Technotronic, The Smiths, New Order e Pet Shop Boys. Por volta de 2001, criei com o produtor Benezinho Xis o tecnobrega. Colocamos nas músicas timbres diferentes de teclado e guitarras e, claro, bateria 100% eletrônica”, relembra. Silvinho apresenta diariamente o programa Mexe-Pará, na 100,9 FM. Transmitido pela internet através do portal www.portalsilvinhosantos.com.br, o programa está há cinco anos no primeiro lugar em audiência, na capital, e tem como campeões de pedidos as bandas Amazonas, Tecno Show, Quero Mais e Cia. do Calypso.

Junto aos programas de rádios, as aparelhagens são os principais meios de divulgação do tecnobrega. Funcionando como os sound-systems que percorriam a Jamaica e levavam o reggae para as massas, nos anos 70, as equipes de som dominam o mercado de festas no Pará, chegando a tocar seis vezes por semana na periferia. “As bandas por aqui não têm dinheiro para bancar os jabás das rádios, então, se uma música vira sucesso nas aparelhagens, as rádios são obrigadas a tocá-las”, explica o DJ Beto Metralha, que também comanda o programa de rádio Na freqüência.

As bandas precisam da divulgação nas rádios, nas aparelhagens e no camelô para fazerem sucesso e serem contratadas para shows. Para conseguir espaço, fazem músicas que elogiam os DJs, as aparelhagens e programas de rádio e de TV. Um dos maiores sucessos da Tecno Show, ao lado de Não desista de amar, Você não entende, Reacender a chama, é Rubi, música que faz referência ao DJ Gilmar, da aparelhagem Rubi. Junto com a Tupinambá e a Pop Som, a Rubi realiza shows em toda região norte do Brasil.

Mesmo com CD e DVDs lançados, a mídia mais importante para a Tecno Show e as demais bandas de tecnobrega é o MP3, que é fornecido aos DJs das aparelhagens, programas de rádio e fábricas de CDs contratadas pelos camelôs. Como não desperta o interesse de grandes gravadoras, o tecnobrega tem na pirataria o seu grande trunfo. São os camelôs que prensam os discos, imprimem as capas e distribuem os produtos, fazendo as bandas “estourarem”. O lucro dos artistas, portanto, provém dos shows e, no caso da Tecno Show, que excepcionalmente tem CDs e DVD originais, de direito autoral. “A renda da gente vem de show, CD e direito autoral. Mas é complicado receber esses direitos, pois, no Pará, a pirataria é muito forte. Mas, ao mesmo tempo em que atrapalha, acaba ajudando a gente a divulgar o trabalho”, revela Gabi, que cobra de R$ 10 mil a R$ 15 mil por apresentação.

“O tecnobrega fica mais forte a cada dia, está em todo lugar. A classe média e as grandes rádios tiveram que engolir o ritmo, por mais que seja difícil para a elite aceitar uma coisa que ela não tem controle”, analisa o produtor musical Benezinho Xis. Para ele, o tecnobrega é como o rap, o reggae e o funk: mesmo discriminados, são ritmos que estão sempre na ativa. “Quando furarmos o bloqueio, seremos febre nacional”. E não há dúvidas de que a temperatura está subindo cada vez mais. O tecnobrega, assim como o funk e o brega, permite o desenvolvimento de uma cadeia produtiva auto-suficiente, à parte da economia oficial, que não depende dos grandes esquemas de divulgação das gravadoras mainstream para dar certo. É mercado paralelo que, cada vez mais, sai da periferia e mostra sua força.

Produtores de dentro e fora do Brasil elogiam o som do tecnobrega

“Qualquer um pode fazer esse som e isso é maravilhoso”. O entusiasmo do inglês Peter Culshaw tem alvo certo: o tecnobrega. Em abril, o jornalista do The Observer veio ao País a convite da gravadora Trama para preparar um vasto material (incluindo uma compilação) sobre o som da Amazônia, em especial a guitarrada e o tecnobrega. Na mala, levou, além da paixão por Belém, alguns discos, como o da Tecno Show. “Gosto muito da banda, especialmente da música Rubi, que fala sobre um DJ. Parece com o Depeche Mode, mas é feito de forma mais direta”, analisa.

O inglês acrescenta que assistir a uma apresentação da Tecno Show é o mesmo que fazer uma viagem de fantasia aos anos 80. “Eles usam o mesmo ritmo em todas as faixas do disco e isso é simples e eficiente. O som deles parece ser feito com sintetizadores de música dos anos 80, acrescido de um pouco de suingue”, explica. Culshaw acredita que o tecnobrega tem uma atitude até meio punk. “Todo mundo é capaz de fazer tecnobrega, sem precisar de um estúdio de gravação de um milhão de dólares em Los Angeles. É como as bandas do punk, que eram contra os discos caros”.

Na cola do inglês, alguns produtores brasileiros também estão de olho no fenômeno do tecnobrega. Nos extras do DVD da Tecno Show, Carlos Eduardo Miranda (ex-gravadora Trama) e Kassin (que já produziu Los Hermanos e Caetano Veloso, e também é músico) se derramam em elogios à banda e, conseqüentemente, ao ritmo. “Foi uma grata surpresa assistir ao show. É uma música tão nova, tão ousada, tão diferente, com características tão inusitadas. Tem uma cara muito brasileira, muito autêntica e um ritmo contagiante, que é uma coisa que é difícil resistir”, diz Miranda.

Kassin é ainda mais enfático e diz que o tecnobrega é a identidade brasileira de música eletrônica, que só encontra paralelo no funk, fenômeno carioca. “A Tecno Show tem uma identidade nacional,apresenta qualidade nas composições, e isso me dá alegria de ver”, finaliza.