A classe média, bem nascida e bem-vestida parou de torcer o nariz para o tecnobrega e passou a freqüentar as festas de aparelhagem. São as patricinhas e mauricinhos ouvindo o som mais novo do Pará…

Por Vanessa Vieira
Revista Diário - Jornal Diário do Pará - 01/abril/2007


DJ Dani Cabrita
Do lado de fora, o estacionamento vai sendo ocupado com carros do ano. Na entrada, as mulheres jovens, malhadas e bem vestidas entram primeiro. Na frente do clube, os meninos bem cuidados esquentam com latinhas de cerveja e garrafas de vodka. Aos poucos, as meninas começam a se soltar. Mas com cuidado para não desfazer o cabelo “chapeado” e não cair do salto. Um tempo depois, os meninos entram no salão. A azaração rola solta e o clima esquenta quando no palco o DJ dá o grito de guerra. Luzes e um som ensurdecedor tomam conta do ambiente. Começa mais uma festa de aparelhagem.
Não. Nós não trocamos as bolas. Estamos mesmo falando de freqüentadores de festas de aparelhagens, um fenômeno que invadiu o universo da classe média alta. Aos poucos, as grandes caixas de som tomaram conta dos grandes clubes e e, de quebra, conquistou “mauricinhos” e “patricinhas”. Gente disposta a gastar até R$ 300,00 por balada.

São jovens que perderam a vergonha de dizer que freqüentam os mesmos eventos onde o povão se acaba de tanto dançar. “No começo, as festas aconteciam nos sábados e domingos. O público principal era de carreteiros; o povo queria ir para dançar e beber”, lembra Evaldo Silva, presidente da Associação das Aparelhagens e do Clube Ipanema. Ele acompanha há mais de 20 anos o comportamento das pessoas que freqüentam essas baladas.

As festas de aparelhagem são uma peculiaridade paraense. No começo, as pessoas de menos poder aquisitivo juntavam uma grana para alugar uma grande caixa de som para animar as festas. Cada caixa podia estar ligada a muitas outras - na maioria das vezes só para fazer volume - e aí surgia a “aparelhagem”. Por isso, as festas de aparelhagem sempre estiveram ligadas à periferia. O que consequentemente, acabava atraindo também pessoas não muito queridas, digamos assim, os “fora-da-lei”. Não era muito raro uma festa dessas acabar em briga ou com a presença da polícia.

“A mídia atraiu os outros públicos”, afirma Evaldo. Atualmente, há uma enxurrada de programas de televisão bancados pelos próprios donos das aparelhagens, além de muitas exposições em reportagens de repercussão nacional. Mas o tempo foi passando e as festas foram mudando. Se no começo, elas eram uma extensão do gosto cultural da massa, sendo o Brega o ritmo de maior expoente, hoje elas incorporam tecnologias e repertório que englobam várias sonoridades - algo mais próximo do que rola nas boates.

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A única coisa que não muda são os “abraços e os beijos para o fulano e o sicrano”, bem no meio da música. E quem se importa depois do primeiro balde de cerveja? É isso aí. Em festa de aparelhagem não se pede garrafas de bebida, mas baldes. Em gíria própria, o famoso “derrame de cerveja”. Mas esse ambiente, aparentemente inóspito para classe média, atualmente abriga gente de todas as tribos.

As festas atuais reúnem até 3 mil pessoas em uma noite com ingressos a preços populares, entre R$ 7 e R$ 10. A animação do público chama a atenção de uma pessoa desacostumada com o ambiente. O agito é tanto que as pessoas dançam involuntariamente. Na frente da aparelhagem se espremem os fanáticos e aqueles que não têm medo de voltar para casa com uma lesão no ouvido. Pelas laterais, o pessoal da “society” vai se enturmando.

Novatos na área

Os marinheiros de primeira viagem geralmente são levados por alguém. Foi assim com a gerente de uma loja no shopping e proprietária de uma empresa de eventos, Niara Priantes, 26 anos. Ela garante que sempre gostou desse tipo de festa, mas não tinha companhia. “Nunca tive preconceito com as festas, mas com os ambientes. Porém, era só o tempo de achar as pessoas certas. A festa é totalmente diferente da imagem difundida por aí”, afirma. Niara chegou a acompanhar as aparelhagens em vários finais de semana seguidos. Mas com o aumento de trabalho, diminuiu o ritmo das baladas.
No entanto, não foi só a mudança de repertório que atraiu a classe média. É que as festas deixaram de ser uma exclusividade da periferia e passaram pelos portões dos grandes clubes sociais. Nem a Assembléia Paraense, um dos clubes mais nobres de Belém, resistiu ao fenômeno. Foi o “pé” que faltava para a invasão dos “playboys”.

A analista de sistemas Katiusce Sarraf, 21 anos, conheceu as festas de aparelhagem há um ano por intervenção de uma amiga DJ. Desde então, não deixa de escovar o cabelo, calçar o salto e vestir a minissaia para acompanhar as aparelhagens. “Eu achava que era um lugar cheio de ladrão. Mas é completamente diferente. O clima é muito divertido. Você vai para dançar e a música te contagia”. Katiusce chega a gastar em média R$ 40 com cerveja por noite, o suficiente para pagar dois baldes de cerveja.

De olho nesse público, as aparelhagens não perderam tempo e incluíram as DJs no comando. Afinal de contas, elas são pontos de referência para as “patricinhas”, embora nem todas as DJs sejam necessariamente pessoas com essas características. Daniela Moraes, 20 anos, a “Dani Cabrita” do Rubi, não se considera uma “patricinha”, mas faz questão de estar sempre produzida quando comanda sua aparelhagem. O convite para ser DJ foi intermediado pelo próprio marido, que achou que a moça dava para coisa. “As mulheres freqüentam essas festas desde a época que diziam que era festa para marginais”.

Dani acredita que a invasão do público de classe alta tem ligação com a explosão do “brega melody”. “O comportamento deles é diferente, porém não se divertem menos. Estão sempre à procura de paqueras”, conta. A paquera, aliás, é um dos principais motivos que atraíram o vendedor de carros Dangelo Lobo, 25 anos, para as aparelhagens. Ele foi convencido pelos amigos que já freqüentavam esses locais e para não perder o embalo da galera resolveu arriscar. Hoje, ele chega a gastar até R$ 150 por noite. Mas antes de entrar em qualquer lugar, ele sempre procura se informar do ambiente para não correr o risco de entrar em “um buraco quente”. Sábado e domingos são sagrados para Dangelo. “Gosto de aparelhagem por ser uma festa de lugar aberto onde se encontra todo tipo de gente”, explica.