Professora dá ao gênero status de MPB e ferramenta no ensino de literatura e gramática

Jornal O Liberal - 04/dez/2007

Joana D’arc Vieira

Tem um pouco de Álvares de Azevedo na música ‘Como uma virgem’ interpretada pela banda Calypso. É o que defende a professora de português Joana D’Arc Vieira, que há dois anos levou o brega para a sala de aula e agora lança um livro em que reforça a valorização do ritmo paraense como material para análises literária e gramatical e não só para a dança.

A utilização do brega como referência para aulas de português e interpretação literária foi uma reação da professora às críticas que predominam quando se fala da música brega produzida no Pará. Mais precisamente à crítica feita pelo jornalista Diogo Mainardi, na revista Veja, que classificou o estilo como ‘imbecilizante’ por causa das letras.

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Joana D’arc Vieira

Para Joana, mesmo as letras mais criticadas, como os bregas que falam em ‘periquita’ e ‘charque’, têm seu valor. Deixando de lado o erotismo, que ela acredita ser a vilã do estilo, como não explorar a dubiedade que se aprende como uma das possibilidades da Língua Portuguesa?
Como acontece em letras da MPB, até os erros permitidos aos poetas são aproveitados no caso do brega para ensinar regras gramaticais. Mas não só elas. A professora vai além e aposta na qualidade literária das composições, mesmo que reconheça a distância entre elas e as produções de Chico Buarque ou Noel Rosa.

Em ‘Como uma virgem’, do Calypso, Joana vê um pouco do amor idealizado e tão enaltecido pelo escritor Álvares de Azevedo, referência brasileira dessa temática no século XIX. Também enxerga o romantismo em letras como a que coloca a mulher como uma pedra de rubi.
Para Joana, não reconhecer o valor das letras sustenta a discriminação ao que é produzido fora do eixo Rio-São Paulo ou pelos artistas considerados clássicos. Exemplo disso é a ausência de críticas à música de Caetano Veloso que coloca a mulher como ‘vagaba’ e ‘piranha’, em situação inversa ao brega ‘Vagabunda’, de Cícero Rossi.

‘Temos que desvulgarizar o brega porque é nossa cultura, é paraense’, diz ela, que defende tratamento igualitário aos compositores paraenses mesmo quando cometem erros que, se cometidos por um Roberto Carlos, não serão tratados como exemplo de cultura imbecilizante.

DIVERSIDADE

A professora de Língua Portuguesa, Érica Santos, compartilha com Joana D’Arc a opinião de que o brega deve ser introduzido em sala de aula como exemplo de produção literária. Afinal, adverte, os professores são obrigados a atentar para a diversidade linguística e a aproximação da realidade dos alunos é facilitadora da aprendizagem.

Érica parte do princípio de que nem tudo é ruim e, no caso do brega, considera importante retirar a ‘carga negativa’ que pesa sobre o estilo. ‘Assim como na MPB, temos as normas cultas presentes no brega. Não que 100% seja bom, mas não podemos dizer que 100% é ruim’, diz.
Ela acredita que a proximidade com os alunos, pois muitos deles escutam brega, coloca o estilo como aliado nas aulas. Até mais do que textos de autores não acessíveis (tanto por causa da distância dos livros quanto pelo rebuscamento da linguagem) a boa parte dos estudantes, como Machado de Assis, exemplifica Joana D’Arc.

Tanto Joana quanto Érica exploram as músicas como recurso didático e ressalvam que a questão não é eliminar os clássicos, mas dar chance à diversidade. ‘O Brasil é eclético. Usamos o brega como referência, mas ninguém escreve como o Chico (Buarque). Estamos dando espaço ao brega. O resto (grandes compositores e autores) já têm’, reforça Joana.

É como mais uma referência que o brega é tratado no livro ‘Música: uma visão literária’, que fio lançado no dia 9 de dezembro de 2007, às 16h30, na boate Palco Mix, já tendo vendido 1,2 mil das 3 mil cópias. A programação é composta de palestra da autora e apresentações musicais.

A gramática (música Tic Tac, do Calypso)

O tic-tac do relógio (onomatopéia - criação de uma palavra para imitar um som ); ‘parece que já parou/ ele não soube te esperar’ (aliteração - repetição de sons consonantais); ‘ele não soube te esperar’ ( ele, o tic-tac, ele, o relógio, prosopopéia - é a atribuição de qualidades e sentimentos humanos a seres irracionais e inanimados.) e lembrar que o ponteiro é que faz o barulho do relógio, se o ponteiro pára, a máquina pára também – ponteiro, relógio, a parte pelo todo, metonímia - substituição de um nome por outro em virtude de haver entre eles associação de significado.

A literatura (música Como a Virgem, do Calypso)

‘Você fez amor como ninguém fez comigo
Me mostrou o paraíso, nunca mais me procurou
você me deixou muito louca alucinada
sou menina apaixonada me sentindo em suas mãos
como uma virgem, tocada pela primeira vez.’

Especialista em teoria literária acusa textos de simplórios

Para a professora, especialista em teoria literária, Amarilis Tupiassu, a maioria das composições de brega ainda não conseguiu se desprender da repetição e do texto simplório. Não é questão de discriminação, diz, mas da falta de argumentos que provoquem a reflexão sobre temas não passageiros como o amor e a pobreza. Isso, quase só os clássicos conseguem e, por isso, merecem ter lugar na escola.

Amarilis volta no tempo para explicar que, na Grécia Antiga, a ‘classe’ escolar era local para referências e, por isso, só os grandes poetas eram introduzidos. Daí veio a palavra clássico que, àquela época era Homero. Hoje, no Brasil, se tem Pixinguinha, com a composição ‘Carinhoso’, diz.
Para a professsora, essa classificação é dada porque a música está presente em uma lista de composições que ficaram na memória brasileira. No caso de Carinhoso, sustenta que a excelência se deve ao tratamento mais do que correto dado ao amor, sentimento pelo qual se morre, independente da época em que isso seja dito.

‘Camões já dizia que o amor é fogo que arde sem doer. Pixinguinha veio e falou desse sentimento com uma delicadeza incrível e essa maneira tão bela que eles falaram do amor faz com que se pare para pensar no amor’, comenta.

No caso do brega, a professora chega a desafiar quem aponte uma lista dos clássicos. Em geral, acredita, as letras não vão além de temáticas repetitivas, por isso banalizadas, e até bobas. São boas para dançar, mas escutar e refletir: ‘quero Dorival Caymmi, Nana Caymmi, Nilson Chaves e várias cantoras nossas, novas’.

Serviço: O lançamento do livro ‘Música: uma visão literária’, foi no dia 09 de dezembro de 2007 na casa de espetáculos Palco Mix, que fica na avenida Rodolfo Chermont. Informações: (91) 9138-7485.