Fenômeno da Banda Calypso tem suas raízes fincadas na década de 60, na herança de figuras como Osvaldo Oliveira

Edson Coelho de Oliveira
Jornal Oliberal - Caderno Magazine - 12/fevereiro/2006

No original, a palavra calipso se escreve com ‘i’ e designa um gênero de música popular improvisada, cantada pelos naturais de Trinidad (Caribe). Hoje no Brasil, contudo, calypso se anota com ‘y’ e significa ritmo dançante paraense, criado a partir de vários ritmos caribenhos e cubanos. Calypso é também o nome da banda que se tornou o maior fenômeno da música brasileira atual, presente por longas faixas de tempo nos principais programas televisivos, fazendo shows para até 100 mil pessoas em todas as regiões e despertando amor e ódio entre críticos de música, compositores, cantores e os diversos segmentos de público. Em outras palavras, no entanto, calypso é apenas o novo nome do ritmo brega, íntimo dos paraenses desde a década de 80, que ganha essa designação americanizada como forma de fugir à conotação pejorativa que por três décadas o estigmatizou no andar de cima da pirâmide social brasileira.

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Os detratores do calypso o classificam (ao lado da axé music, do funk carioca e da ‘moderna’ música sertaneja) como um estilo pasteurizado, de letras sofríveis e cuja principal e talvez única qualidade seja agradar às massas por ser dançante. Os defensores (entre os quais o antropólogo Hermano Vianna, autor de uma série de documentários sobre a nova música brasileira em vários Estados) vêem no brega um ritmo inovador, capaz de influenciar inclusive a produção da melhor MPB, e cujo movimento tornou-se um vencedor desafiando o monopólio das grandes gravadoras: a Banda Calypso e a maioria dos cantores do gênero (como Roberto Villar, que nos últimos anos vendeu em torno de um milhão de cópias de quatro discos) não têm gravadora - os discos são feitos de forma independente e vendidos sobretudo durante os shows, a preços que não chegam à metade dos cobrados no mercado.

Numa série de matérias publicadas a partir de hoje, O LIBERAL faz uma radiografia do brega e suas várias fases; entrevista personagens centrais, como o maestro Manoel Cordeiro e o cantor e compositor Roberto Villar; e procura projetar o futuro deste movimento que cresce e firma novos nomes no cenário regional e nacional.

Precursor - Nas raízes do brega está a fase de ouro da música cubana e o período de afirmação do rock e do iê-iê-iê (ver na página 2). Um dos precursores paraenses é o cantor e compositor Osvaldo Oliveira, o Vavá da Matinha, que começou cantando forró mas, com o bolero (um dos pais do brega), se tornou um dos grandes vendedores de discos do início da década de 70.

Vavá debutou no forró e vive até hoje do bolero

Primeiro a gravar um merengue com letra, ele se orgulha de ter batido o Rei no Norte e Nordeste em 72 e dá a bênção ao Calypso

Banda Calypso
Osvaldo Oliveira, hoje com 71 anos, vive em Castanhal e na ativa. Começou a cantar na década de 50 e tornou-se sucesso nos muitos programas de rádio em Belém. Em 1959, mudou-se para o Rio de Janeiro, com uma carta de recomendação de Edyr Proença para a rádio Tupi. No ano seguinte, gravou duas músicas numa coletânea da Continental e, com o sucesso, ganhou o próprio 78 rotações. Em 61 gravaria ainda outro “compacto” e o primeiro elepê, “Eternas lembranças do Norte”, que continha basicamente forró e no qual assinava quatro músicas. Vavá estava na nata dos forrozeiros da época, entre Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.

Trocou a Continental pela CBS, onde gravou três elepês e integrou uma famosa caravana de forró, que percorria o Brasil levando o talento de gente como Marinês, Trio Nordestino e Messias Holanda. “Nesta época fui o primeiro a gravar, no Brasil, um merengue com letra”, lembra ele, citando “A Deusa do Mercado São José”. E o melhor estava por vir: um bolero seu gravado por Abdias estourou em vários Estados e um dos diretores da CBS, Evandro Ribeiro, deu a dica: “Estás fazendo filho na mulher dos outros”. No ano seguinte, 1972, Vavá gravou “Só castigo”, disco de bolero cuja música-título foi um dos maiores sucessos do ano e lhe rendeu o maior orgulho da vida. “Num belo dia, ao chegar à CBS, olhei na parede o quadro dos maiores vendedores do ano, e vi meu nome à frente do de Roberto Carlos: eu vendera mais do que ele no Norte e no Nordeste”.

Sucesso - “Só castigo” (“Aí está/Aquele amor que pertenceu à minha vida/A quem outrora eu chamava de querida…”) fez tanto sucesso que obrigou as gravadoras a investirem no novo filão, atraindo gente como Reginaldo Rossi, o primeiro grande rei do brega brasileiro. “Posso te garantir que esta música me sustenta até hoje”, diz Vavá. “Em Fortaleza, por exemplo, ela toca tanto que é como se tivesse acabado de ser lançada. Até criança de oito anos canta toda a letra. O sucesso é tanto que, contra minha vontade, penso em morar por lá a metade de cada ano, e a outra metade aqui”.

Vavá ainda gravou vários discos de bolero na década de 70, em que pesava sempre seu talento de compositor, mas passou os anos 80 quase em branco, sustentado pelo público do qual seguia ídolo e que até hoje não o esqueceu. Quatorze anos atrás, mudou-se para Castanhal, para ajudar a montar uma rádio (seria o diretor artístico). Mas o amigo que o convidara morreu num acidente de automóvel, e o projeto não se concretizou, a despeito de estarem comprados os equipamentos. Em Castanhal aposentou-se como funcionário da Prefeitura, continua a registrar discos e a fazer shows, e prepara-se para gravar, ainda este ano, seu primeiro DVD. Generoso, Vavá elogia o sucesso da Calypso e diz que se sente uma espécie de João Batista dos ritmos que fazem o Brasil dançar e na defesa de um espaço para o Pará na música brasileira.

Impressão digital do Caribe

A proximidade do Pará com o Caribe marcou de forma profunda a música produzida aqui, e rendeu frutos definitivos à nossa cultura, como o advento do mestre Vieira e sua guitarrada e do gênero musical brega, hoje o maior e mais controverso fenômeno musical brasileiro, tendo à frente a Banda Calypso. As origens do brega registram datas e influências variadas e, se consideradas ao pé da letra, remontam à época de ouro da música cubana (décadas de 40 e 50), passam por Elvis Presley e pela afirmação do rock (e do iê-iê-iê), assimilam os principais ritmos caribenhos, como o merengue e a cúmbia, e se formatam definitivamente em Belém no início da década de 80, com sonoridade e dança características, vestuário também estilizado e festas movidas a outra adaptação bem paraense: as gigantescas aparelhagens e suas caixas de som no estilo treme-terra.

Para o cantor e pesquisador do gênero Jr. Neves, após o enfraquecimento da Jovem Guarda como fenômeno popular (e rentável financeiramente), os mercados regionais acabaram valorizando ainda mais as sonoridades locais, onde se destacavam músicas com forte apelo sentimental, não raro bem-humoradas no tratamento de temas como a dor-de-corno. O grande nome do início desse processo é Reginaldo Rossi, que trinta anos depois seria um dos mais requisitados nomes da mídia nacional. No Pará, o brega estourou no início dos anos 80, consagrando nomes como Alípio Martins, Juca Medalha, Luiz Guilherme, Ted Max, Mauro Cota, Francis Dalva, Míriam Cunha, Carlos Santos, Fernando Belém e muitos outros. “Dez anos depois, no entanto, sem o apoio da mídia, principalmente das rádios, o movimento, enfraquecido, dependia apenas das aparelhagens”, lembra Jr. Neves. “A situação piorou no início dos anos 90, com a explosão da Axé Music: o ritmo foi ‘esquecido’, refugiando-se, como um filho bastardo, nas aparelhagens, cujo repertório até hoje compõe-se basicamente de brega e suas variações.”

Uma segunda revolução aconteceu então - Beto Barbosa estourou nacionalmente com a lambada, ritmo originário do Caribe que adquiriu, no Pará, características próprias, incorporando inclusive vários elementos do brega. O sucesso de Beto, no entanto, não reergueu o ritmo por aqui, o que só viria acontecer depois, em nova fase do brega: quando Roberto Villar lançou, em 1998, o CD “Ator principal”, estourando várias músicas (como “Profissional papudinho”), garantindo a maior vendagem do ritmo até o recente advento da Banda Calypso.