Música da vez vem do Pará, com as famosas guitarradas, o carimbó e a aparelhagem. Governo paraense investe pesado, de olho no turismo

José Teles
Jornal do Commercio - Recife (PE) - Caderno C - 21/março/2006

A badalação em torno da cena musical do Pará tem levado a comparações com o movimento manguebeat. Até mesmo o gaúcho Eduardo Miranda, um dos primeiros divulgadores do Manguebeat e produtor do disco de estréia da Mundo Livre S/A, está envolvido com a música paraense, que ele diz cortejar há muito tempo, com várias visitas ao Estado: “A única semelhança mesmo está na grande riqueza musical. No Manguebeat todo mundo sabia o que queria, havia uma coisa mais premeditada. No Pará é inteiramente diferente, há desde o tecnobrega, até a guitarrada. E para mim, uma das grandes novidades é dona Onete, uma espécie de Cesária Évora paraense”, tenta explicar Miranda, que co-produziu, com a pernambucana Cynthia Zamorano, o Terroir Pará, festival que levou 60 artistas paraenses ao Ibirapuera, em São Paulo no último fim de semana.

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O festival faz parte de um estratégia do governo paraense em divulgar o estado por meio de sua música. O agente para este fim é a Funtelpa, Fundação de Telecomunicações do Pará, que investiu em três anos R$ 5 milhões com a música paraense. O presidente da Funtelpa, Ney Messias Jr., diz que a estratégia tem inspiração no movimento musical pernambucano, mas com uma diferença básica: “Nós levamos toda a cena, desde o erudito até o mais popular, e incrementamos também a divulgação da gastronomia paraense”.

Ao contrário de Pernambuco, mais especificamente a cena recifense, onde o pop e o rock se aproximam do coco, do maracatu, mas não têm ligações com o brega, no Pará não existe esta distinção, ou pelo menos está deixando de existir, conforme Gabi Amarantos, musa do elogiado estilo tecnobrega, o verdadeiro batidão jungle: “Aconteceu com o tecnobrega um lance meio parecido com o funk carioca. Ele no início era curtido só por uma classe social, mas agora invadiu todas as classes. Porém no tecnobrega não tem aquela coisa do funk proibidão, a gente fala de amor, das coisas do Pará.

É uma cena na qual os artistas dependem do disco, mas não de gravadoras, e para os quais a pirataria é mais um benefício do que um mal a ser combatido: “Quase ninguém tem disco aqui. A pirataria lança o CD, o cara estoura, passa a fazer mais shows e todo mundo conhece as músicas. A pirataria do disco aqui no Pará é diferente da do resto do País, é muito mais forte. Acho que no meu caso, a pirataria beneficia muito”, confirma Gabi Amarantos, que se prepara para lançar o primeiro DVD, mesmo sabendo que as cópias piratas venderão mais do que as oficiais.

Difundido para o Brasil pela atriz Regina Casé, num quadro do Fantástico, o tecnobrega atraiu a atenção para um fenômeno que se restringia, nacionalmente, aos elogios de pessoas ligadas à música, o próprio Carlos Eduardo Miranda, o antropólogo Hermano Vianna ou o DJ Dolores: “O País está começando a se voltar para a gente. Tem vindo pessoas de todas as partes para conhecer a música paraense e não apenas o tecnobrega. É a nossa oportunidade de mostrar que temos muitas coisas, pois o que se conhece mais do Estado atualmente é a banda Calypso. O Pará, eu não diria que era injustiçado, mas a música estourava aqui e outros artistas vinham e usavam o que fazíamos. Muita gente gravou carimbó, guitarrada e os mestres não eram reconhecidos”, desabafa Gabi Amarantos.

Entre os artistas paraenses que ganham o reconhecimento, mesmo que tardio, está Mestre Laurentino, 80 anos, nascido na Ilha de Marajó. Ele diz que faz carimbó, rojão, forró, reggae e que já teve a música Lourinha americana gravada pela Mundo Livre S/A, no disco Por pouco. Laurentino foi contemporâneo de Osvaldo Oliveira e Ary Lobo, os dois maiores nomes da música popular paraense nos anos 50 e 60. Ambos tinham como base o Recife, que detinha a mais importante rede de comunicação da região. Daí Mestre Laurentino estender suas habilidades também ao frevo e ao maracatu. Mas seu grupo o Coletivo Rádio Cipó também pode ir de valsa e até música clássica.

Mestre Laurentino é testemunha ocular da história da música paraense. Lembra os primeiros carimbós, os primeiros mestres da guitarrada e acompanha e participa das modernas aparelhagens, embora com ressalvas: “A aparelhagem, eu admiro muito. Mas tem muito aparelho, as vezes prejudica a vizinhança. O sujeito passa por perto e chega o coração parece que vai parar de tanto barulho que faz”.

Tanto barulho aliás que o funcionamento das aparelhagens foi limitado ao final de semana. o DJ Iran, que pilota uma das principais aparelhagens de Belém concorda que o som é forte: “Mas não sei se dói no peito, mas tem a potência do P.A que se usa nestes grandes festivais”, compara. A aparelhagem, grosso modo, é um sistema de som, de última geração. “Precisa ver para entender. tem quem ache que é feito a radiola da Jamaica, mas não tem nada a ver. Uma aparelhagem custa entre 300 a 700 mil reais, para transportar precisa de duas carretas”, explica, didático.

DJ Iran trabalha com uma equipe de 20 pessoas, entre técnicos e roadies, viajando por todo o Norte, dos confins do Amapá até o Maranhão: “Não dá para descer mais pelo Nordeste por o custo de uma aparelhagem é muito alto. Pode ser que com toda esta divulgação a gente passe a ir a outros Estados”, diz DJ Iran. Em último caso, ele diz que viaja levando apenas as trilhas programadas, “Mas nunca é igual a tocar com a aparelhagem completa”.

Para DJ Iran ir além dos limites geográficos impostos pelos custos de viajar com a aparelhagem é uma necessidade: “A gente fica até triste porque estão roubando as nossas origens. As pessoas pegam o que fazemos, levam para outros lugares e mostram aquilo como tecnobrega, é o que acontece no Recife”, comenta ele que, aliás, ressalta que já nem faz tecnobrega: “O tecno ainda usa guitarras. Eu faço com a Gabi (Amarantos) o cybertecno, que é só o batidão, a porrada, com um laptop”, diferencia.

A reverência com que os artistas do povo são tratados pelos novos grupos paraenses lembra o Manguebeat nos anos 90, quando Lia de Itamaracá, Dona Selma do Coco, dividia o palco com Nação Zumbi, ou Querosene Jacaré. Tanto a cyber Gabi Amarantos, quanto a turma do La Pupuña tecem os maiores elogios a Dona Onete, a cantora que o produtor Eduardo Miranda compara a Césaria Évora. Nascida na Ilha do Marajó, dona Onete é conhecida como a rainha do chamegado. Ela começou no início dos anos 70, mas até a música paraense virar o ritmo da moda, ela exerceu, entre outros ofícios, o de secretária de Cultura de Igarapé Mirim, terra de Pinduca, uma das lendas do carimbó.

Dona Onete criou um estilo diferente do carimbó, o chamegado: “É um tipo de carimbó, que dá para dançar agarradinho, com um pouco do balanço da cumbia. O Pará está próximo do Caribe e aqui sempre houve muita influência dos ritmos de lá”, diz dona Onete, que além do chamegado revela que tem a fórmula de mais uma invenção nova do Pará, o vinho de açaí.

A tradição de dona Onete caminha lado a lado com as batidas programadas de Gabi Amarantos e o povo já não estranha quando as vê em festivais como o que aconteceu em São Paulo com roqueiros, que mesclam música paraense com informação européia: “O preconceito foi quebrado porque os tecnobrega nunca era convidado para estes eventos. Hoje eu toco para a classe A, claro que para chegar lá precisei aprimorar o meu som, dar qualidade”, diz Gabi.