Fenômeno mercadológico, o ritmo paraense movimenta cerca de R$ 2 milhões por mês com a venda de CDs e DVDs

Pesquisa inédita coordenada pela FGV radiografou esse mercado, que conta com 73 bandas e 273 equipes de som

Por THIAGO NEY
Folha de São Paulo, Ilustrada, 27/março/2007

O chamado tecnobrega foi criado em 2002 e rapidamente transformou-se num fenômeno do mercado fonográfico brasileiro. Uma pesquisa inédita radiografou, pela primeira vez, como funcionam as engrenagens desse gênero criado em Belém, no Pará, e que está totalmente alheio às estratégias tradicionais utilizadas pelas grandes gravadoras.

Os resultados da pesquisa, coordenada pela Fundação Getúlio Vargas, serão divulgados no Rio de Janeiro. Além do tecnobrega, participaram do estudo outros modelos baseados na idéia de “open business” (quando o artista dá prioridade à divulgação de seu trabalho; a preocupação maior é que o público tenha acesso ao que fora produzido): o cinema nigeriano e a cena anarcopunk da Colômbia estão entre os analisados.

“No modelo tradicional, a idéia era a de que quanto mais protegesse a criação intelectual, melhor seria do ponto de vista econômico”, explica Ronaldo Lemos, diretor do centro de tecnologia e sociedade da Escola de Direito da FGV. “Mas há dez anos surgiu uma alternativa. Os artistas, seja uma banda, um escritor, disseminam os seus trabalhos livremente e ganham dinheiro partilhando o conteúdo.”

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Aparelhagens
Segundo a pesquisa, realizada entre 20/8/2006 e 20/9/ 2006 e entre 8/11 e 28/11, uma grande diferença entre o funcionamento da indústria fonográfica tradicional e o do tecnobrega é que o ritmo paraense não encara a pirataria como inimiga mortal.

Dos artistas de tecnobrega, 88% nunca tiveram nenhum contato com gravadoras. E 59% avaliam que o trabalho dos vendedores de rua têm influência positiva em suas carreiras.

O tecnobrega é a música mais ouvida no Pará. Em Belém, esse mercado é formado por 73 bandas; 273 aparelhagens (equipes de som que realizam as festas de tecnobrega); e 259 vendedores (de CDs e DVDs) que trabalham nas ruas da cidade.

O funcionamento: as bandas e DJs gravam de uma a quatro músicas num estúdio (normalmente caseiro). Mandam as canções para rádios e aparelhagens. Os camelôs compilam as músicas de maior sucesso em um CD e vendem nas ruas. O CD custa entre R$ 3 e R$ 4; um DVD, R$ 10.

“Quanto mais a música é ouvida, mais esses artistas são contratados para fazer shows. É assim que funciona aqui”, conta José Roberto da Costa Ferreira, responsável pelo site Brega Pop (www.bregapop.com), portal paraense especializado em tecnobrega.

Um dos nomes de maior sucesso da cena é a banda AR-15, que recentemente foi contratada para fazer shows no Amapá, no Maranhão e no Suriname.

“Normalmente, gravamos quatro músicas [por sessão no estúdio]. Uma mais romântica e três de aparelhagens [canções que citam na letra o nome de uma aparelhagem]. Vendemos mil CDs por show. Nós mesmos somos a gravadora”, explica Harrison Lemos, da AR-15.

Segundo a pesquisa, o faturamento mensal total dos artistas com as vendas de CDs e DVDs é de cerca de R$ 2 milhões.

Coordenadores do estudo do cinema nigeriano estarão presentes no Rio para divulgar o que encontraram. Voltada totalmente para o mercado de DVDs, a Nigéria tornou-se o principal produtor de longas do mundo, com cerca de 1.200 filmes/ano (Hollywood faz a metade disso).

Os filmes, que custam entre US$ 30 mil e US$ 100 mil, são vendidos em DVDs nas ruas, por US$ 3. É a segunda fonte de empregos no país, atrás apenas da agricultura.

Música foi inspirada pelo brega

O nascimento do tecnobrega data de 2002, em Belém, quando alguns artistas adicionaram batidas eletrônicas ao brega, gênero muito popular no Pará.

Musicalmente, a cena não acrescenta grandes novidades -como o axé e o funk carioca, é um ritmo que incorpora elementos de fora (do rock, do rap) para fazer canções que grudam no ouvido e são ideais para serem dançadas em grandes festas.

E, apesar do pouco tempo de vida, já tem algumas crias. Uma é o cybertecno, em que as guitarras são excluídas e ficam apenas as batidas eletrônicas. Outra é a chamada melody, mais lenta, para dançar a dois.

As principais bandas e aparelhagens paraenses de tecnobrega são Tecno Show, Tupinambá, AR-15, Companhia do Tecno, Beto Metralha, Poderoso Rubi, Banda Mega Pai-D’Égua e Príncipe Negro.

Muitos dos artistas fazem canções diretamente para cada aparelhagem. As canções mais tocadas nas festas de aparelhagens são transformadas em coletânea pelos camelôs, que vendem os CDs nas ruas.

É um mercado diferenciado em relação ao das grandes gravadoras. Por isso, o sucesso de um artista de tecnobrega não pode ser medido pela quantidade de CDs vendidos.

“Não há artistas milionários dentro dessa cena”, afirma Ronaldo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas. “Mas é um modelo viável de negócio.”